Chuva

Olhou à sua volta. Nada via. Olhou de novo. Não via nada.

E depois, sentiu-a. Sentiu-a docemente acariciando as suas costas nuas. Abraçando a sua pele. Beijando os seus cabelos.

Abriu a sua boca e, mantendo os olhos fechados, virou a cabeça para o céu, permitindo a que a sua língua saboreasse o sabor não existente das gotas.

Chuva. Estava tão fria que lhe queimava a pele, que lhe causava arrepios. Tão quente que ela simplesmente não queria sair dali. Tão confortável. Em casa.

Deixou-se estar, olhos fechados e braços abertos, enquanto a água da chuva levava todos os seus pensamentos na corrente. Sentia-se bem, incrivelmente bem, sem pensamentos ou problemas. Como não se sentia há anos. Como se nada a pudesse afectar enquanto jazia ali, despedida e nua.

Não queria que acabasse aquele milagre. O milagre das gotas que caíam lenta e rapidamente, que se fundiam com ela e a prendiam, deixando-a livremente livre.